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Mostrando postagens de março, 2024

Cartolina

Uma menina terminou o seu desenho. Dentro de um círculo feito com compasso ela desenhou uma árvore com seus galhos secos e a lua. Contornos com caneta preta e sombreados feitos com grafite. Ao terminar o seu trabalho a menina se desencantou por ter manchado bastante o espaço branco além do círculo. Eu a tranquilizei dizendo que iria achar uma cartolina preta para recuperar o fundo. Ela recortou com tesoura o círculo e descartou o resto. Coloquei o trabalho na minha pasta e ali ficou até ontem. Eu não tinha cartolina preta e nem conseguira comprar. No almoço, uma outra menina me alertou que o mobile da sala dela havia se desmanchado, mas estava guardado no armário branco onde fica o notebook. Depois do almoço deixei minha sacola de supermercado na sala da coordenação e me dirigi até a sala para restaurar o mobile colorido, feito pelos alunos com peças de papel. Abri o armário branco e ele estava lá. Porém, junto à ele, havia uma sacolinha de supermercado com restos de cartolina, usados ...

Lembrancinhas

Adoro e sempre adorei a palavra Souvenir Sou de alma, venir de venha. Que venha da alma a lembrança. Na sexta da paixão saí correndo do apartamento. Da portona do mercadinho avistei o último ovo revestido com papel azul brilhante. O último era pequeno, do jeito que eu queria. Levei. No dia seguinte fui comprar tomates e percebi realmente que aquele de ontem era o último. Adoro falar: O Último dos Moicanos! nessas ocasiões de encontro com uma última coisa do lugar, ou do pacote. Depois de uma certa idade a gente já sabe a dor dos moicanos, mortos e expulsos por nós, os brancos, do território do Norte. Aqui no sul, nós mesmos nos encarregamos do extermínio. Depois de uma certa idade a gente vai tentando remediar a todo custo, tudo isso. Na sexta comprei o último. O último ovo dessa ninhada, afinal depois de amanhã já estarão expostos os ovos do ano que vem. Na rodoviária de São Paulo e na cauda do Cometa, as lembranças e vivências são sempre controversas. No guichê são dez horas e cinque...

Lixo complexo

Na garagem do prédio existem quatro lixeiras de plástico com as tampas pretas. Elas não tinham inscrições que diferenciassem seus usos apropriados. São duas para o Lixo orgânico e duas para o reciclado. Duas perto da porta pequena da garagem e duas mais no fundo. Moram pessoas no edifício. Na parede do fundo desse térreo há uma folha de papel onde está impressa a frase: Lixo Reciclável, . Como a folha é quase sempre desprezada, o povo joga inapropriadamente o lixo orgânico nas duas lixeiras que ficam abaixo do cartaz. Outro dia, num ímpeto artístico e moral, fiz duas etiquetaças. Numa está escrito: Lixo reciclável e na outra, apenas Lixo. Escolhi uma tampa de cada lado da garagem e sobre elas eu colei as Etiquetas com Contact transparente. Indesgrudáveis. Moram pessoas no edifício. Muitas vezes o desprezo supera a ética e a moral. Saio do trem, passo pela cancela e atrás de mim um jovem fala alto com alguém pelo celular: É mano, a pessoa tá me ligando e falando que eu sou moleque e tal...

Vovó dança

Ói Vó! Ali onde não passa o trem tem ar. A menininha de 5 anos chama a vó para ver da janela do metrô, o espaço que tem ar. O espaço do túnel, o buraco grande. A vó e a mãe estão em outra sintonia, mas eu fico muito interessado em perceber que a parede de concreto e as estruturas do trilho, respiram o ar que a menininha vê. E ela fica encantada ao perceber que o movimento do trem esparrama o ar por todo o espaço. O espaço que não é trem. Fazia um tempo que não ouvia de perto essas simplicidades maravilhosas das crianças. A melhor que eu tinha presente é aquela onde o pai dirigia o automóvel e o filho pequeno se admirava com as coisinhas de fora. As coisinhas além dos vidros. O pai, ao parar o carro num semáforo, viu de soslaio uma demolição ao seu lado. O menino sentado na cadeirinha no banco de trás, rapidamente falou bem alto: Papai, estão Construindo um terreno! Dizem que ao ficarmos mais velhos vamos voltando a ser criança. No meu caso eu tenho quase certeza que sou uma criança cre...

O silêncio criativo

Pensei que eu tomaria conta dos meninos e meninas em avaliação numa unidade específica do Colégio. Preparei a sala, os aguardei com a lousa apagada e logo após o sinal, quem entra na sala é o querido professor de Matemática. Moço ainda, ele me pergunta: Betu, o que você está fazendo aqui? No mesmo instante me veio à mente o momento no qual me deparei com a imagem do horário especial para a semana de provas, estampada no WhatsApp, alguns dias antes. Imagem colorida, uma cor para cada nome. Naquele momento me bastou olhar que as minhas quatro últimas aulas seriam de aplicação da avaliação de Produção de texto no Nono ano. Como na quarta-feira a minha terceira aula é no nono ano da Unidade Boa Vista, nem me atrevi a olhar com mais atenção. Errei. Onde eu deveria estar era na unidade do Campolim. Dei meia volta e em vinte e cinco minutos estava na sala de aula. Entrei preparado para que todos permanecessem em silêncio e concentrados em seus textos. Quero salientar nesse prólogo que a minha...

Parecia, mas não foi a voz de um sino

Foi como se eu ouvisse de longe. Um som que não era nada como o som do trovão após um relâmpago. Não era. Era exatamente como o som de mil toques seguidos do bico fino de um beija-flor numa só pétala da flor da dama da noite. Sabemos que o que procura o bico do fino pássaro é o centro da flor, porém ao se ver ansioso pelo centro, não há como ele não tocar a pétala de forma sutil, beijo de mil vezes. Esse foi o som. Esse do suave toque, não o do trovão branido após o clarão numa noite sem estrelas. Dizer sem estrelas nesse contexto é como dizer sem palavras nesse texto. Eu desejo que ele esteja muito além das palavras e do som estridente do tocar na tela em busca das letras. Sou atendido nesse desejo. O som é leve e como disse o João, muito leve, leve pousa. Dadá Maravilha já nos disse que ele pairava no ar como um beija-flor. E pairava até o momento da bola tocar docemente a rede nos seus gols de cabeça. Na minha cabeça paira o som leve e suave que talvez não viesse de um sino, mas vin...

A chave de quase tudo

Para entrar no nosso prédio é preciso passar por duas portas. Foi na volta das compras que eu tive a ideia, ou a ciência exata do fato ocorrido há meses. Coloquei a chave da primeira porta e já fui pensando no dia que comprei um chaveiro com mosquetão. Acho bem funcional, afinal engato o dito cujo numa das alças da calça e as chaves ficam mais distantes da perdição. Fantástico. Estava precisando desse chaveiro e o comprei na loja que fica bem em frente ao prédio. Bonito, com fivelinha de couro e tudo. Quando fui trocar as chaves do chaveiro velho eu tive muita preguiça de tirá-las da argola que as prendia de forma organizada e ainda mais funcional. Deixei a argolona encaixada na argola um pouco menor que já pertencia ao chaveiro novo. E lá se foi um bom tempo até esse dia que descrevo. Esse no qual tive o estalo da ideia. Uma ideia um tanto banal, mas me encheu de vontade. Tirar a argolona velha e colocar todas as chaves na argola original do chaveiro de courinho. Fiz. Tirei uma a uma ...