Lixo complexo
Na garagem do prédio existem quatro lixeiras de plástico com as tampas pretas.
Elas não tinham inscrições que diferenciassem seus usos apropriados.
São duas para o Lixo orgânico e duas para o reciclado.
Duas perto da porta pequena da garagem e duas mais no fundo.
Moram pessoas no edifício.
Na parede do fundo desse térreo há uma folha de papel onde está impressa a frase: Lixo Reciclável, .
Como a folha é quase sempre desprezada, o povo joga inapropriadamente o lixo orgânico nas duas lixeiras que ficam abaixo do cartaz.
Outro dia, num ímpeto artístico e moral, fiz duas etiquetaças.
Numa está escrito: Lixo reciclável e na outra, apenas Lixo.
Escolhi uma tampa de cada lado da garagem e sobre elas eu colei as Etiquetas com Contact transparente.
Indesgrudáveis.
Moram pessoas no edifício.
Muitas vezes o desprezo supera a ética e a moral.
Saio do trem, passo pela cancela e atrás de mim um jovem fala alto com alguém pelo celular:
É mano, a pessoa tá me ligando e falando que eu sou moleque e tals.
Ele quase grita:
Tô me sentindo um lixo!
Pessoas moram no edifício.
Elas recebem encomendas pelo correio e com elas, os papelões e os plásticos-bolhas.
Também celebram aniversários com as bebidas e doces, pratinhos descartáveis e açúcares nas forminhas de papel.
Andam de chinelos de borracha e por conta de tantos andares, acabam por perder suas tiras.
Pessoas moram no edifício.
Orgânicos e Recicláveis.
Aquelas que saem cedo, esquecem as chaves e têm que voltar pra pegar.
Aquelas que vão me perguntar: Se elas esqueceram as chaves como é que elas chegaram até embaixo?
Não fecharam a porta do apartamento?
Esqueceram a chave do carro, mas por que isso é importante se justamente essas só andam de ônibus?
E nas séries de suspense?
Pessoas como eu deixam de lado um monte de detalhes que não conseguem racionalizar.
Outras pessoas sobre isso dirão: Ah, mas é ficção.
Pessoas moram no edifício.
Famílias inteiras perdem o sentido da conversa, do etecetera e tal, do debate inconclusivo, da dinâmica dos olhares, das falas e das controvérsias.
Os lixos são diversificados e eu adoro a diversidade.
Eu adoto a diversidade.
Num vídeo curto do Instagram o Clodovil diz à certa altura:
Eu me valorizo, eu não fui achado no lixo!
O valor do consumo está posto em cheque.
Num cheque até que nos mate por insolvência.
É tão simples, a simplicidade complexa do Caetano, que é Veloso:
Saber a dor e a delicia do que se é.
O lixo diverso nos insere na possibilidade de escolhermos o outro, como parceiro do nosso Eu.
A parceria com o diferente.
Moram pessoas pertíssimo da minha casa e elas me dão muita moral.
Sempre haverá a necessidade de separamos o lixo corretamente
Comentários
Postar um comentário