Vovó dança
Ói Vó!
Ali onde não passa o trem tem ar.A menininha de 5 anos chama a vó para ver da janela do metrô, o espaço que tem ar.
O espaço do túnel, o buraco grande.
A vó e a mãe estão em outra sintonia, mas eu fico muito interessado em perceber que a parede de concreto e as estruturas do trilho, respiram o ar que a menininha vê.
E ela fica encantada ao perceber que o movimento do trem esparrama o ar por todo o espaço. O espaço que não é trem.
Fazia um tempo que não ouvia de perto essas simplicidades maravilhosas das crianças.
A melhor que eu tinha presente é aquela onde o pai dirigia o automóvel e o filho pequeno se admirava com as coisinhas de fora.
As coisinhas além dos vidros.
O pai, ao parar o carro num semáforo, viu de soslaio uma demolição ao seu lado.
O menino sentado na cadeirinha no banco de trás, rapidamente falou bem alto:
Papai, estão Construindo um terreno!
Dizem que ao ficarmos mais velhos vamos voltando a ser criança.
No meu caso eu tenho quase certeza que sou uma criança crescida.
Passei a viagem até a Barra funda observando os sons dos vidros do meu trem.
Gosto dos trens do metrô com vidros grandes, porque eles refletem a minha imagem de velho.
Refletindo a minha imagem dessa forma, sempre me pergunto:
Quem é esse senhor?
Pergunto e já respondo pondo em mim a poesia dos vidros transparentes.
A construção subvertendo a demolição, a empatia subvertendo a ignorância.
E eu lembro da véia, sim Véia.
Era assim que todos chamavam minha vó paterna.
Véia Cury.
O ladrão começou a mexer na janela da casa dela e ela com aquela sagacidade maravilhosa, gritou:
Jamil, pega o revólver!
O tal ladrão saiu correndo.
Dentro da casa não havia nem revólver, nem Jamil.
Adoro o nome daquela banda:
Jamil e uma noites.
Já ouviu?
Ouça.
As crianças são assim, muitas vezes, elétricas, impulsivas, dinâmicas.
Quando as avós deixam rabiscar um pedacinho da parede, elas aproveitam e desenham nos móveis, tapetes e cortinas.
O ar da criança é oxigênio puro, pena que na aprendizagem social elas vão ingerindo muito gás carbônico.
É assim, inspiração e expiração.
A transpiração acontece quando a gente realiza as tarefas do manuseio.
As tarefas da mente são movidas à inspiração, tanto que a calma se faz mais presente quando inspiramos profundamente e expiramos bem devagar.
Um, dois, três, quaaaaaatro.
Repare que ao colocar seis Ás, eu expresso a minha antiga superstição e o meu novo transtorno obsessivo compulsivo.
Tem que ser em números pares.
Sabe o que eu acho ainda mais interessante nisso?
A consciência que eu tenho dessa necessidade.
Claro que posso colocar cinco, ou sete Ás, que o sentido de dar mais tempo à expiração permanecerá, mas pares são muito mais bonitos.
Bonitos ao meu ver, afinal a filha gosta dos ímpares e em especial, o Três.
E assim, quem tem muita razão e emoção é a menininha que sente o ar além da transparência do vidro.
Não apenas sente, como lhe impõe uma razão físico-matemática.
Dois corpos não ocupam o mesmo lugar no espaço.
O trem é que expulsa o ar, transformando-o em vento.
Daqui eu vejo há cinquenta anos, a imagem da menininha sendo refletida no vidro grande do trem do metrô.
Ela olha a sua imagem e rapidamente responde.
Ói, eu sei bem quem é essa Senhora!
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