O silêncio criativo

Pensei que eu tomaria conta dos meninos e meninas em avaliação numa unidade específica do Colégio.

Preparei a sala, os aguardei com a lousa apagada e logo após o sinal, quem entra na sala é o querido professor de Matemática.
Moço ainda, ele me pergunta:
Betu, o que você está fazendo aqui?
No mesmo instante me veio à mente o momento no qual me deparei com a imagem do horário especial para a semana de provas, estampada no WhatsApp, alguns dias antes.
Imagem colorida, uma cor para cada nome.
Naquele momento me bastou olhar que as minhas quatro últimas aulas seriam de aplicação da avaliação de Produção de texto no Nono ano.
Como na quarta-feira a minha terceira aula é no nono ano da Unidade Boa Vista, nem me atrevi a olhar com mais atenção.
Errei.
Onde eu deveria estar era na unidade do Campolim.
Dei meia volta e em vinte e cinco minutos estava na sala de aula.
Entrei preparado para que todos permanecessem em silêncio e concentrados em seus textos.
Quero salientar nesse prólogo que a minha intenção é mostrar o que a minha ansiedade, aquela que chamo de total eletricidade, deve se comportar melhor, menos elétrica, observar com mais atenção.
O horário especial, por exemplo.
O silêncio da sala, nessas ocasiões de avaliações só é interrompido pelos pequenos sons de algum braço levantado, esperando o auxílio do Betu Dicionário.
O que é Coado? O que é salientar? De repente é com dois erres?
Essa dúvida foi bastante curiosa.
Senta que lá vem história.
Principalmente no Nordeste os repentes são manifestações tradicionais.
Dois arteiros se reúnem para travar uma batalha de rimas.
E num repente, repentinamente, a palavra provocada deve aparecer na mente do artesão que irá responder.
De repente, num repente, repentinamente.
Sempre que isso acontece e sempre isso acontece, eu tenho a certeza que as avaliações são momentos de Aprendizado e não de sanções.
Claro que para meninos e meninas que cursam a escola básica, é necessário mais amadurecimento para a compreensão desse Conceito.
Eu já tive treze e quatorze anos e sei, eu aprendi.
Hoje sou mais experiente e observador.
Eram dois temas possíveis nessa Avaliação de Produção de texto.
Duas imagens.
Um bilhete com letras de jornal e revista coladas de forma a indicar um sequestro e a outra, uma camerazinha fotográfica digital, toda danificada, porém quando encontrada no fundo do mar ainda tinha as fotos registradas, intactas no seu interior.
Em tempos isolados, os alunos iam me entregando as suas redações e faziam questão que eu as lesse.
Fico sempre admirado com as múltiplas interpretações sobre o mesmo tema.
Minutos antes eu havia pego uma Avaliação em branco para conhecer as duas propostas.
A professora havia indicado determinados personagens que deveriam aparecer no texto, a região onde a narrativa deveria acontecer e outros detalhes que os alunos deveriam considerar.
Um encantamento.
Muitas versões e me foi surpreendente a quantidade de letras bonitas.
Eu em pé, ou sentado, andando pela sala e observando a posição dos lápis e canetas nas mãos dos estudantes.
Os destros e os canhotos.
Muitas formas de segurar os instrumentos de escrita.
Acho bonito que todos entendam que as letras que compõe as palavras são desenhos, afinal as letras e as palavras são reveladas por traços e formas.
Também acho bonito o conceito de cursiva.
O traço em curso, bailarino, dançante, até terminar na última letra.
Só depois desse bailado é que cortamos o T, colocamos os pingos nos Ís e talvez coloquemos o Cedilha.
O bailado do silêncio,  da concentração e da paciência.
Uma mocinha ficou bastante tempo olhando para a folha pautada.
Ela estava imaginando todas as cenas para compor seu texto.
Eu a conheço, é Artista de emoção e lógica.
Quando estendeu a mão até a caneta já tinha tudo organizado e só então começou o bailado certeiro.
Já a outra artista, diferente dessa, desde o começo no papel de rascunho, fazia um ideograma com linhas verticais ao lado do texto, para ter ciência exata de quantas linhas deveria usar para o início, a ação e o fechamento da trama.
Acabou matando o menino.
A proposta afirmava que era um menino de ouro, mas na narrativa adolescente, o ouro era o interesse dele.
Normalmente também são moedas de ouro o que os desbravadores buscam encontrar no fundo do mar, em navios naufragados.
Meninos e meninas de ouro, que na saída vão entregando as suas redações, agradecem a minha atenção e eu retribuo com a minha gratidão.
Eu mais aprendo do que ensino.
Aprendo um pouco mais do que ensino, mas ainda devo aprender a  acalmar a minha eletricidade.
Nosso coordenador escolheu as cores para fazer o fundo do nosso nome no calendário especial para a semana de avaliações mensais.
Adorava o nome Jardim de infância.
Pra você eu ofereço Rosa

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