PIX

No caminho da academia eu passo pelo ponto de ônibus que eu desço quando venho da Faria Lima.
Passando por ele eu ouço uma moça falar alto para uma outra moça que passava na calçada, do outro lado da rua:
Ei, manda um Pix!
São amigas, é claro.
Quando ouvi a palavra Pix me lembrei da banda que tínhamos no colégio.
Fizemos uma única apresentação no teatro e precisávamos de um nome.
Já que estávamos nos anos setenta, abri o Dicionário e achei do lado esquerdo em cima a palavra Pix.
Naquela época o significado era Cálice sagrado.
Sensacional naquilo que o Sensacional tem das melhores Sensações.
Tem o Cálice que dá nome ao Posto de gasolina.
O grupo é Graal.
Graal é também o Cálice sagrado.
Lembro-me primeiramente da cena que o maquiavélico nazista escolhe o Cálice de ouro e pedras preciosas.
Ele enche o Cálice com água santa e se desmancha em ossos e pó.
Já o Indiana Jones escolhe o Cálice simples de madeira e consegue salvar seu pai da morte.
A moral da história é que devemos encarar a vida com seus altos e baixos com simplicidade.
Hoje um Pix pode salvar pessoas da dívida, por exemplo.
Na época do nosso show, o maravilhoso guitarrista, hoje engenheiro e professor de física, fazia uma gambiarra de fios para que a guitar fosse ligada a um gravador de rolo.
Essa traquitana proporcionava distorção no som.
Não havia pedal, imagina se havia pedaleira.
Rio porque no auge de um solo de guitarra, os fios amarrados com esparadrapo se soltaram e eu fiquei sozinho solando na batera.
Solando significa fazendo barulho no surdo, tons, caixa e bumbos.
Você deve estar pensando que me esqueci dos pratos, mas não.
No fim do expediente, já que a guitarra não funcionava mais, eu saltei do banquinho, fiquei em pé e solei nos dois pratos, deixando as baquetas em frangalhos.
Com certeza a plateia não entendeu nada, mas quando saímos do palco a maravilhosa dona Mara, inspetora de alunos, proferiu a frase inesquecível:
Eu gostei do baterista!
Rio porque depois dessa performance eu doei a batera para quem realmente tocava bateria.
Gosto de música sempre, mas quem me apresentou as bandas nascidas no fim dos anos sessenta e começo dos setenta foi o maravilhoso Zé Cláudio, que fazia aniversário em 31 de janeiro.
Na época as aulas começavam em março e era muito difícil os amigos não estarem viajando em janeiro.
Num 31 de janeiro chuvoso fui à sua festa e só havia eu e ele.
Nesse dia ele ganhou uma Sonata.
Aparelho de som cuja tampa tinha um único autofalante e tampava o toca discos.
Com ele ouvimos Close to the edge, Musical Box, Led 4, Smoke on water, Sabbath 4 e por aí foi.
A Arte é acolhedora.
Repare que citei dois grandes amigos que são artistas e engenheiros.
Profissão que muitos pensam se tratar apenas de pessoas objetivas, práticas e extremamente racionais.
Ledo engano.
Pessoas são holísticas, integrais, amalgamam muitas ações e opções.
Hoje há muito mais a compreensão da multitarefa.
Mandei para alguns parentes e amigos uma postagem do Café filosófico falando sobre o impacto das redes no cérebro humano.
Sabemos disso, porém mais do que saber precisamos ver se conseguimos equilibrar e fazer dessa tecnologia apenas uma ferramenta.
Fica difícil quando os pesquisadores canadenses descobrem dois tipos mais característicos de interações com as publicações:
Rolagem zumbi, que é a apreciação de vidas de celebridades e memes e a Rolagem da Catástrofe que é a apreciação de notícias trágicas.
Farei um parênteses perguntando se ainda existem programas televisivos de fofocas e programas onde só aparecem desastres, feminicídios, entre outras tragédias.
Existe e continuam existindo porque é o que dá muita audiência.
Escrevo sobre isso porque o moço do café filosófico insiste na palestra, que essas apreciações não mobilizam nenhum pensamento reflexivo.
Quem está interessado em pensamento reflexivo?
Quem pensa fora da caixa, já que a caixa é imensa e rude?
Quem não quer ficar tranquilão, ou tranquilona?
Ontem alguém me perguntou se eu usava inteligência artificial para produzir as minhas figurinhas.
Respondi que faço uma foto, ou capturo uma, passo por um app que tira o fundo, abro o app que produz Stickers, recorto a imagem, escolho uma tipologia para o texto que criei, entro na opção de anexar emojis e salvo.
Não sei se estou salvo, mas a coisa fica mais com a minha cara, o meu jeito, a minha análise crítica.
A banda Pix durou uma apresentação e não tenho a intenção de fazer uma Vakinha no Insta para reativá-la e nem pedir pix para a compra de equipamentos.
O algoritmo do Instagram não está minimamente interessado no que faço.
Eu continuo fazendo e lutando para não ser um Zumbi das Desgraças.
Acho até engraçado, já que me encho da graça quando sou reflexivo.
Isso não é um Pix, mas me animo a tentar trazer você comigo

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