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Mostrando postagens de julho, 2024

Marcas

Desde ontem estou sentado olhando para uma mesa. Mesa determinada. O espaço é um espaço de educação. Essa mesa tem dois buracos no tampo. Esses buracos têm uma característica bem específica. Um jovem com algum instrumento de ponta forte foi cutucando o tampo, pouco a pouco, até encontrar a ponta fendada de um parafuso. Sempre me pergunto como o sujeito sabe exatamente o lugar onde vai escarafunchar para achar o parafuso. O processo é preciso. A mesa que eu vejo tem dois buracos, mas o recorde são outras mesas com seis. Crateras perfeitamente colocadas para atingir os parafusos que prendem a estrutura. Parece ser um gesto esportivo porque quase todas as mesas não têm os tampos soltos. Pouquissimas mesas estão sem os tampos, a maioria tem apenas os buracos. Com isso quero dizer que os sujeitos não fazem os buracos para retirarem os tampos das mesas. Existe um certo prazer na empreitada contra o que é público. Repare que estou observando apenas essa que está na minha frente. Essa tem os r...

Elevadores

Ao entrar no prédio me deparei com dois elevadores. Um ao lado do outro. Na minha experiência, o da esquerda quase sempre está quebrado. Num dia de sol a pino ele ficou parado entre dois andares. Num outro dia mais nublado ele chegou no nono andar e demorou um tanto para abrir a porta. Já o elevador da direita tem até um mostrador digital, super moderno, mas ele estava indicando estar no sétimo andar, chamado pela senhora sabedora das letras e das canções. Cheio de esperteza e coragem entrei no elevador da esquerda que estava parado no térreo. No início da caminhada ouvi um som ritmado como se a gente batesse num prego, ou compusesse uma melodia engatada numa letra de repetidas sílabas encantadas pelo toc toc. Foi tudo rápido e como apareceu, sumiu. Mais um andar e o som agora passou a ser suave e longo, como uma caminhada de quem pisa num asfalto recém colocado, quase perfeito, passo a passo certeiro, como se a música andasse pelo nosso coração entusiasmado. Terceiro andar e uma terce...

Banheiros

Ouvi o historiador dizendo que nós brasileiros, temos esse adjetivo pátrio como modo difamatório, já que no início éramos extratores e comerciantes de pau Brasil. Portanto, brasileiros. O sufixo eiro significa a profissão, assim como ferreiro, costureiro, carpinteiro entre outras tantas. Faço esse prólogo por conta do banheiro. Claro que estava a levar meu automóvel até a casa do meu filho e no caminho apareceu-me a palavra: Banheiro. A profissão de quem toma banho? Tenho certeza que o local onde se toma banho é mais apropriado. Banheiro. Ao escrever aparece-me claramente a outra palavra: Chuveiro. A profissão de quem toma chuva? Mais apropriado é ser um objeto cuja função assemelha-se à chuva. Caem gotas da tal engenhoca, às vezes abundante, às vezes escassa, ora gota a gota, ora enxurrada. Minha conversa interna resolve achegar-se ao galinheiro. Local onde são trancafiadas as galinhas. Poleiro seria onde elas pulam e ficam nos observando? Arrisco-me no Nevoeiro e a névoa suave me org...

Uma bêra

Saí de casa super de boa e caminhei até o armazém para comprar legumes para o almoço. Claro que uma caminhada urbana é sempre uma aventura para quem é fã do poeta Manoel. Caminhar e achar nas rachaduras do cimento da calçada, todo tipo de figuras e armações trigonométricas. Uma jovem senhora a passeio com seu cão enorme trouxe a sacolinha para pegar o cocô do chão. Assim o fez. Logo tratei de pensar na lei gramatical que dona Anna me ensinava constantemente: A nova lei diz que todas as palavras homógrafas não levam mais acentos. Leia-se coco, mesmo lendo cocô. E o que direi do côco, já que esse fruto é homógrafo de cocô? Enfim, o dito cujo foi colocado no saquinho e colocado na lixeirinha próxima ao poste. Falar em poste quando tratamos de cães, também acaba sendo uma redundância, afinal uma das serventias da caminhada canina é a possibilidade do reconhecimento nasal dos animaizinhos e animaizões, que primordialmente umedecem os postes. Não ficarei em cima do muro. Mais dois passos e u...

Bluetooth

Estou correndo para apanhar o ônibus Lapa. Adoro a expressão Apanhar o ônibus e outras tantas. No caminho vi um rapaz dizendo com a boca bem próxima ao seu aparelho celular: Nem eu estou me reconhecendo. Que coisa feia ouvir a conversa dos outros, porém é impossível não ouvir, já que muitas pessoas que andam pela cidade parecem estar falando sozinhas. Você sabe que não é outra coisa senão o Bluetooth ligado e os fones sem fio nos ouvidos. A Outra pessoa está em outro canto, sentada, em pé, em casa, ou no escritório, às vezes até comendo torradas com geleia. O rapaz usou a expressão: Nem eu estou me reconhecendo. Como eu adoro a expressão Conversas internas, sou obrigado a dizer que eu vivo me reconhecendo, me conhecendo de novo, de novo e de novo, o que não significa que estou pleno de ideias construtivas e ideais. Tomara que o jovem em reflexão se conheça, possa se ressignificar, mudar o que precise mudar e intensificar aquilo que ele tem de melhor. Já no ônibus Lapa, uso o janelão da...