Marcas
Desde ontem estou sentado olhando para uma mesa.
Mesa determinada.
O espaço é um espaço de educação.
Essa mesa tem dois buracos no tampo.
Esses buracos têm uma característica bem específica.
Um jovem com algum instrumento de ponta forte foi cutucando o tampo, pouco a pouco, até encontrar a ponta fendada de um parafuso.
Sempre me pergunto como o sujeito sabe exatamente o lugar onde vai escarafunchar para achar o parafuso.
O processo é preciso.
A mesa que eu vejo tem dois buracos, mas o recorde são outras mesas com seis.
Crateras perfeitamente colocadas para atingir os parafusos que prendem a estrutura.
Parece ser um gesto esportivo porque quase todas as mesas não têm os tampos soltos.
Pouquissimas mesas estão sem os tampos, a maioria tem apenas os buracos.
Com isso quero dizer que os sujeitos não fazem os buracos para retirarem os tampos das mesas.
Existe um certo prazer na empreitada contra o que é público.
Repare que estou observando apenas essa que está na minha frente.
Essa tem os riscos feitos por alguém que não tem medo dos riscos.
Os grafismos são feitos com diferentes graus de força, uns mais suaves e outros com uma rispidez grosseira.
Uma redundância colocada para enfatizar o fato.
Uma prosa descritiva, descrevendo objetos que são frutos de um tempo e uma sequência de encontros humanos contemporâneos.
Não basta a descrição.
Quero enfatizar que o conceito é filosófico-prático.
Há buracos no coração e na emoção da gente.
Há riscos de nos perdermos na frágil estrutura e no caminho inseguro.
A paisagem que me interessa é essa por onde ando calçado por alguma experiência, observando a exatidão da perfuração que encontra o parafuso.
Devo me ater na precisão do enfrentamento dos planos traçados e além de alcançar as fendas, ter a fortaleza para girar a chave no sentido contrário das encrencas e suportar os problemas.
Encontro também manchas de branquinho corretivo, esticadas com o dedo sobre o tampo e eles não pretendem pintar a mesa toda.
Quando pintamos nosso corpo, nosso rosto, as unhas, pretendemos enfeitar e tornar mais belo aquilo que temos como aparência e que almeja alguma transparência.
Espalhamos na pele os enfrentamentos e não ficamos cheios de dedos frente aos obstáculos sugeridos pelo sistema.
Não pisamos em ovos quando a esferográfica rabisca a mesa e representa os Narutos, os Yng Yang, os palhaços e o pássaro Duolingo.
A simbologia do pássaro dito, é a sua piada.
Nos piares, a múltipla fala dos pássaros nos inspira para dar asas à diversidade.
E é a diversidade que nos coloca à frente das questões de uma mesa com tantos problemas.
Quando me dou o tempo para ver a mesa-objeto como um quadro Moderno, expressivo, abstrato, me entrego às mais variadas paisagens da história.
A paisagem que eu considero mais bonita é aquela que eu ainda não pintei.
Escrevo esses trechos com os dois braços apoiados no tampo.
A mesa é o meu apoio e não estou só nessa jornada.
Nosso pincel, nosso lápis e a nossa caneta esferográfica são a ponta aguda e firme, que grava num mapa os planos do processo de construção e da nossa imagem expressiva
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