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Meu número é quarenta e um.
Calço quarenta e um, mas no ano passado cismei de comprar um tênis quarenta e dois porque achei o quarenta e um apertado.
Estava nada, o quarenta e dois laceou e ficou dançando no pé.
Paciência é uma coisa que não me falta.
Passei um ano e meio dançando.
Parece até um pouco de preguiça.
Escrevo assim para falar da dificuldade que temos em seguir comandos.
Coloco-me no meio disso, mas eu me questiono, já que até gosto de comandos e nas classes eu preciso orientar meus educandos através de alguns comandos.
Ontem choveu e três crianças pequenas, pequenas mesmo, brincavam de bater os pés numa poça gigante.
Eu conversava com um mestre que está trabalhando no colégio.
Ele, com muito tato e educação disse para as crianças:
Crianças, não é legal.
Vocês vão molhar os seus tênis e as suas meias.
Vão ficar molhados e vocês podem ficar resfriados.
Uma das meninas continuou batendo os pés na poça.
O mestre perguntou:
Você não ouviu o que o tio falou?
Ela começou a bater os pés com mais força e mais no centro da poça.
O mestre avisou que ele iria comunicar para a coordenadora da menina.
Foi o que ele fez.
Viu que tem a ver com o atender ao comando?
Sempre vivemos em sociedade e se a gente não aprende a atender aos comandos sensatos, nós perdemos a vocação.
Como já escrevi anteriormente, vocação vem de voz, vocare.
Não atendermos aos chamados nos levará a falta de vocação. Perderemos a nossa voz não ouvindo a voz dos outros.
Acabei de ouvir uma mocinha que me disse que ela ainda é uma pessoa lanterna e que pretende mudar isso aos poucos.
Atendi à sua voz e perguntei o que era uma pessoa lanterna?
Ela me confidenciou que é uma pessoa focada só nos próprios objetivos.
Segundo ela uma pessoa lâmpada é aquela que ilumina o todo, além dos próprios objetivos.
Expliquei que como professor eu havia de ser uma pessoa lâmpada.
Acrescentei que para os lanternas deve ser preciso que os objetivos sejam pra cima, iluminados e não pra baixo, angustiados.
Ela é uma jovem pra cima.
Para comunicações mais assertivas e aprendizados mais eficazes não há como fugir dos comandos.
Observem todos!
É uma frase que uso bastante nas minhas aulas e dou o comando com desenho na lousa e mostrando uma folha de papel, por exemplo.
Para executarmos um trabalho do dia eu precisava que todos tivessem sobre a carteira uma folha de papel A4, um lápis grafite e uma régua.
Suponha que todos tivessem o material.
A partir daí todos precisavam desenhar quadrados perfeitos na perfeição que apenas com a régua eles conseguiriam.
Comando:
Coloquem a folha em pé, na posição vertical.
Coloquem a régua deitada sobre o lado de cima e coloquem o pauzão do zero no canto esquerdo.
Não esqueçam que eu estou mostrando na lousa com o desenho e a régua de madeira enorme.
Comando:
Vocês devem marcar os pontos de três em três centímetros para fazerem seis quadrados.
Façam a mesma marcação que vocês fizeram no lado de cima da folha em pé, agora na parte de baixo.
Novamente o pauzão do zero no canto esquerdo da folha.
Comando:
Agora com a régua em pé unam os pontos de cima com os de baixo e todos os espaços terão três centímetros.
Pronto.
É quase como a menininha da poça.
Raros são os que seguiram o comando.
A maioria ficou com espaços de dois e meio, três e até cinco centímetros, simultaneamente.
Rio porque o povo faz questão de não seguir os comandos.
Quase esqueci de dizer que todos ficaram maravilhados com os resultados das pessoas que seguiram o comando geométrico.
Eu havia avisado que eles se surpreenderiam com o resultado, mas quem não esteve atento, perdeu.
E competitivos que somos, a gente não gosta nada de perder.
Parece que mesmo eu explicando qual o objetivo da tarefa, boa parte da classe prefere seguir os próprios instintos.
Rio porque o ser humano é bem esquisito.
Hoje na avaliação do nono ano a mocinha contou nos dedos para dividir o número setenta e dois por quatro.
Curioso, eu perguntei a ela se nessa época ela teve que decorar a tabuada e ela disse que sim.
Não tem problema, com os dedos ela chegou no tal dezoito.
Numa conversa posterior sugeri que essa nossa rapidez e não paciência para algo mais prolongado talvez seja incentivado pelo prazer de vermos apenas pequenos vídeos de no máximo trinta segundos.
Eu nem se é isso, fico sempre surpreso com o fato da maioria achar que a régua é um artefato usado apenas para fazer linhas retas.
Medir com a régua?
Tarefa para poucos.
Saber o que são pauzões, paus médios e pauzinhos, nem por cá passou Maria.
Um centímetro de um pauzão até o outro, um pauzão até o pau médio, meio centímetro e do pauzão até o pauzinho, um milímetro.
Rio porque além de tudo sou fora das medidas e passo da conta.
Tudo isso dava uma tese?
Até dava, mas tenho preguiça.
Prefiro andar com o meu tênis quarenta e um laceado e a minha cabeça dançando no quarenta e dois
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