Lugares estranhos
Ao lavar o fundo de uma leiteira eu lembrei do tempo da pandemia e do lanchinho da dona Anna.
Lá pelas seis da tarde o cotidiano era o Lanchinho.
Um pão de hambúrguer, manteiga e uma fatia de queijo.
Quando olhei para a mesa e para os dois sanduíches de queijo feitos com pão de forma integral, tive a ousadia da lembrança.
Minha mãe molhava o sanduíche no leite.
Ousadia da memória.
A leiteira já está no escorredor e minha mãe no nosso dia a dia.
Eu até achava estranho molhar o sanduíche.
Meu nono molhava o pão com manteiga e meu pai rasgava o pão em pequenos pedaços, passava a manteiga e comia.
Só depois desse ritual é que tomava o café com leite.
Hoje, como uma espécie de celebração, molhei os dois sanduíches no café.
Memória afetiva.
Na escola, na hora do intervalo, gosto de usar meu copo especial que ganhei no dia dos professores com um pouco de café.
Numa cesta coberta com tule, a escola oferece os pães franceses.
Corto o pão no meio, na vertical e vou molhando.
Espontaneamente um amigo falou:
Meu avô também molhava o pão no café.
Com certeza é coisa dos experientes, que se animam com a ideia de que algumas pessoas jovens têm intolerância a algum tipo de alimento.
Explico que eu disse isso porque o fato do amigo jovem fazer a relação com o avô, me fez lembrar de um pensamento que eu tenho sem nenhuma base científica.
Todos nós temos algum tipo de intolerância alimentar.
Meu couro cabeludo coça, por exemplo, quando eu como pimenta, ou algo bem apimentado.
Adoro mamão e como, mas quando eu como, sei que o meu intestino já fica em alerta.
Não é nada de extraordinariamente irritante, mas ele dá o ar da graça.
Rio porque sou intolerante à ignorância e às pessoas que falam as coisas sem saber sobre o que estão falando.
Rio novamente, porque um humorista disse sobre como é bom rirmos de nós mesmos.
Hoje, por conta de muitas pesquisas, as pessoas vão sendo mais informadas e aparece uma gama mais recheada de pessoas acometidas por diferentes males. Já aconteciam antes, mas agora eles têm mais base científica.
E as siglas vão se multiplicando.
Sobre tudo isso venho por meio dessas mal traçadas linhas, dizer que o autoconhecimento é muito importante em tempos como este.
Acabo de falar com o motorista do Uber que tem um sotaque mineiro.
O sotaque da língua portuguesa que eu mais admiro.
Ele me disse ser de Betim.
Eu lhe disse que nunca fui a Belo Horizonte, mas gostaria muito de conhecer.
Ele emendou dizendo que Betim fica a trinta quilômetros da capital.
E não é que estou sentado na minha poltrona do Cometão e o motorista veio pelo corredor falando alto:
Ninguém aqui vai pra Belo Horizonte, né?
Estamos todos indo pra São Paulo e mirando os mistérios que há nesta vida.
Gil já profetizou que Mistérios sempre há de pintar por aí.
Ontem, a neta foi brincar com a I.A. pedindo para que ela construísse uma história sobre o seu gato Pipoca.
Saiu: O gato aventureiro.
Ela começou a me mandar não só o texto, mas as ilustrações criadas pela inteligência artificial.
Em dado momento eu mandei essa mensagem para ela:
Você é muito Inteligente, por que você não faz umas releituras dessas imagens?
Ela me responde imediatamente:
Eu já fiz vovô.
E já fiz várias.
O fato de podermos fazer releituras, nos expressando da forma que o nosso cérebro processou o sensorial, é essencial.
Esta é uma garota que vai além do passo a passo.
Posso dobrar as tiras de outro jeito?
Claro que pode.
E ela transmutou a ideia e enriqueceu os resultados.
Ideia dela.
Dona Anna ministrou algumas aulas numa escola rural, perto de Regente Feijó.
Meu pai, bem humorado que só ele, dizia que durou apenas uma semana e que as aulas sempre foram sobre religião.
Ela chegou a fazer um sanduíche entre catolicismo e parapsicologia e me levava de Kombi até São Paulo para assistir Hair, Lição de anatomia e Jesus Cristo Superstar.
Os Experientes artistas dos musicais eram todos jovens e eu, criança, nem compreendia direito o que rolava nas tramas, mas adorava.
O que hoje eu sei é que minhas histórias são muitos sanduíches mistos e bem recheados.
Bora provar?
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