Senhor
Um senhor como eu acaba de me deixar na rodoviária.
Foi meu motorista no Uber.
No caminho fez uma curva rápida à esquerda ignorando o GPS e enquanto eu me ajeitava no banco de trás, por causa do movimento brusco, ele disse:
Vou desviar por aqui porque a gente corta caminho.
E não é que ele conhece mesmo o caminho?
Achei sensacional.
E rápido.
Porém, o início da nossa viagem é que daria um tema de filme, ou uma tese de mestrado.
Acho que estou exagerando, mas é algo que venho observando, embora a minha observação seja sempre relacionando o fato com os comportamentos dos mais jovens.
Ele me perguntou, sabendo que iria me deixar na rodoviária:
Vai passear um pouco?
Eu disse a ele:
Não, eu moro em São Paulo de quarta a domingo e lá sou aposentado.
Em Sorocaba dou aula, mas apenas nas segundas e nas terças.
Desta vez ficarei em São Paulo por duas semanas por causa do Carnaval.
Ele de pronto me pergunta:
E amanhã você dá aula?
Não, amanhã é quinta, respondi.
Ah, mas na quinta então você não dá aula!
Vou parar essa conversa estranha porque você já entendeu.
Há muito eu descobri que ao entrar na padaria eu não posso ser tão simpático.
Por exemplo, entrar olhando para o Crachá da atendente e ir logo falando:
Bom dia Cris, tudo bem?
Você pode me ver um café só com um pouco de leite sem espuma e capricha por favor, você é muito simpática e essa tiara é muito inovadora.
Pronto.
Ela já nem sabe se o que você pediu foi um café, ou uma coxinha.
Ou seja, ao pedir qualquer coisa num estabelecimento, você deve ser enfático, carrancudo e ser muito objetivo.
Quanto muito, um Olá.
Olá, um café por favor.
E esse por favor deve ser muito ligeiro, rapidíssimo, quase dito esparramando as sílabas.
Quando eu escrevi sobre fazer uma tese de mestrado, pensei em questionar o que está fazendo com que cada vez mais pessoas sejam acometidas por esse Déficit de Atenção.
Vou direto àquela tese cada vez mais conhecida que diz que a gente é responsável pelo que diz, mas não pelo que o outro entende.
Deu pra entender, né?
Isso me leva à outra tese que é a da vida líquida, tudo deve ser tão rápido que escorre pelos dedos, tornando-nos cada vez mais agoístas e solitários.
Acho que isso explica um pouco.
Queremos e vivemos tudo tão rapidamente que não prestamos mais atenção até às coisas mais simples.
Outro dia na academia fui apresentado ao professor e já fui logo pedindo que ele me repetisse o nome para que eu gravasse.
Eu já me conheço.
Olá, como é o seu nome, perguntei?
Ele me responde e segundos mais tarde eu já não me lembro.
Não lembro porque nem prestei atenção à resposta e já fui dando sequência à conversa.
Desta vez fiquei muito atento.
Qual o seu nome?
Holivode.
Ah, Holivode. Não esqueço mais.
Agora, imagine uma legião de homens e mulheres corajosos, chamados professores, querendo transmitir algo que eles conhecem para uma totalidade de desatentos.
Cada um numa esfera própria, cada um numa viagem solitária e cheia de tédio.
Ainda assim acho motivador o princípio.
A pedagogia do Afeto, o encontro entre a sua esfera e a do outro, o interesse, o ser responsável na sua idade adulta, entrelaçando saberes, os mais diversos, entre os velhos e os novos.
Apresentar a imagem de Guernica do Picasso e descobrir que em todas as classes que você passou, nunca ninguém viu ou ouviu falar da imagem, foi de alguma forma surpreendente.
Por tudo isso eu risquei do meu vocabulário a palavra Óbvio.
Não é óbvio que alguém conheça uma imagem que era super famosa até outro dia.
Vou experimentar apresentar o Abaporu, da Tarsila.
Essa obra esteve muito na moda nas aulas dos pequenos, onde havia a famosa moda da Releitura.
Quase todo mundo copiava, mas diziam ser Releituras.
Acho que alguns vão reconhecer a obra, mas poucos saberão que Abaporu na língua indígena significa Antropófago, comedor de carne humana.
Imagem construída pela Tarsila como símbolo do Movimento Anteopofágico criado pelo Oswald de Andrade, cuja ideia era que os artistas brasileiros que viajassem para Paris, comessem a Cultura Europeia para transformá-la, na volta ao Brasil, no Modernismo brasileiro, usando nossos próprios temas e crenças.
Atenção, você deve estar atento.
O nome do professor da Academia é Deivid, mas Holivode é sim o nome de uma antiga criança.
Uma senhora, voluntária num pronto atendimento era encarregada de escrever na ordem de chegada, os nomes das crianças.
Ela perguntou para a próxima mãe:
Qual o nome do seu filho?
Ela respondeu Holivode.
A senhora ficou cinco minutos tentando escrever o nome da criança e nunca acertava.
Até que a mãe do menino tirou do bolso de trás da calça uma maço de cigarros:
Hollywood
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