Ruas
Gosto muito de andar pelas ruas de qualquer cidade, mas principalmente nas ruas de São Paulo.
Claro que as ruas de São Paulo têm mais gente e o meu andar com a cabeça erguida vai pescando as aparências.
As aparências me interessam bastante, já que a profundidade vai ser impossível alcançar com a minha observação superficial.
O meu gostar tem a ver com a observação da hiper variedade de pessoas e seus rostos, cabelos e vestimentas.
Esqueci de mencionar os adereços.
O meu esquecimento talvez deva-se ao fato de estar acostumado a ver a deusa dos adereços com as mãos na massa da produção.
Eu digo que sou um artista publicitário porque preciso de um tema, seja ele aparecido na minha cabeça, ou alimentado pela minha observação desatenta.
Nesse caso vou observando a variedade de aparências em movimento.
Essas que vão entrando em contato com meus olhos e invadindo a minha imaginação.
Para que eu seja mais direto e mais claro, ao olhar um transeunte eu rapidamente imagino de onde ele vem, porque está vestindo essa calça jeans com um furo no joelho, essa camisa saída do Hawaí 5.0, esse tênis Nike verde exército e um cabelo liso e preto com aquele coque japonês.
Não é bem o porquê.
Faz parte da viagem mental imaginativa que me faz pensar até de onde vem e pra onde vai a figura.
Essa figura em movimento é rica em informações, mas o bom mesmo é a variedade.
Várias figuras.
Eu saio da moça de cabelo com as pontas cor de rosa, vou até o moço com a calça de sarja com as barras desenhadas, reparo no senhor com as bermudas cheias de bolsos, meia soquete e cachecol floral e por aí vai, vou.
Um sujeito atravessa a rua vindo da estação Brigadeiro e lá esqueceu a pelúcia que comprou pra filha na galeria.
Ao lado dele vem a moça que traz a tiracolo a bolsa verde de pelica com detalhes em metal dourado e a sacola patrocinada pelo supermercado da Felicidade.
Vem ligeira porque pretende chegar a tempo de comprar um bolo de fubá com goiabada na loja da Vovó.
Mais atrás vem o menino na bike laranja do banco, arrancando pedaços do carrinho de compras da senhora que acabou de sair da feira.
Comprou uma dúzia de bananas prata que sobreviveram ao pontapé do moço das entregas.
Sentada na calçada está a jovem mãe, que com a filha no colo, pede para que eu compre uma caixa de chocolates para que ela venda no ponto de ônibus.
Até entrei na loja, mas como eu previa, para eu comprar a caixa de chocolates que ela vende eu vou precisar dar três aulas na escola.
Tentei, mas não deu.
Nem sei mais quanto tempo faz que eu não ando com um centavo na carteira, já que eu uso apenas o cartão de crédito.
Dinheiro de plástico que o jovem adulto vestindo terno e gravata, sacou da carteira para comprar um pastel de queijo na melhor pastelaria de São Paulo.
Pelo menos era isso que estava escrito no subtítulo da loja pintada de vermelho e amarelo.
Não.
Não é aquela loja de conveniência de origem mexicana que ensina a gente a pronunciar o próprio nome.
Na minha época, OXO era um placar sem gols no futebol.
Você deve estar pensando que falta um X na questão.
Esse é o X da questão.
Sempre me falta algo para observar, algo para revestir, mais algum item para compor, mais uma palavra na oração, um legume cozido no prato, me falta fôlego na terceira série de abdominais na academia.
Sempre me falta alguma coisa.
Acabei de descobrir que a razão da minha imaginação criativa é ter atenção àquilo que me falta.
Tudo isso quase me completa e agradeço por isso, afinal se me completasse por inteiro não haveria mais razão, muito menos intuição.
Daqui donde estou sentado eu vejo a senhora que segura uma caixa de papelão lacrada com aquela fita crepe grossa.
Não saber o que a senhora carrega dentro da caixa parece aquela teoria quântica.
A teoria diz que se nela houver um gato, ele pode estar vivo, ou estar morto e só saberemos se abrirmos a caixa.
Acabo de abrir a caixa de papelão da senhora usando o poder da mente.
Praticamente um anti Uri Geller moderno, rs.
Uma espécie de telepatia, uma telemagia.
Dentro da caixa a senhora carrega um maravilhoso gato de porcelana chinesa com quarenta centímetros de altura.
Peço atenção para mais uma teoria prática.
Se você entendeu o que é Uri Geller você está com uma idade certa, ou uma certa idade.
Para quem ainda não atingiu esse grau etário ainda tenho em mente uma caixa de papelão embalada para presente
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