Sem molde

Pense num motorista de ônibus ranzinza.
Gosto da palavra ranzinza.
Logo entro no busão e vou dizendo: Que bom que aqui dentro está fresquinho, porque lá fora está um calorão.
E ele responde:
GRRRRR
Desce uma senhora que estava sentada no banco da frente e eu ocupo o lugar.
O ranzinza fecha mais a cortininha.
Do outro lado, ainda na frente, um casal de velhinhos como eu está um pouco impaciente.
Descobri o motivo quando estávamos no meio da Faria Lima.
Eles queriam descer num ponto antes da Rebouças.
Sei porque a senhora perguntou ao motorista:
O senhor para no ponto antes da Rebouças?
Ele nem respondeu.
Fiquei de olho e disse a eles:
Tenho quase certeza que é daqui a dois pontos, mas dá uma outra perguntada ao motorista.
Ela suavemente fez a pergunta e ele respondeu:
GRRRRRR
De forma incisiva eu falei:
Podem descer no próximo.
Eles desceram e eu segui, certo de que o ônibus Terminal Pinheiros ia fazer a voltinha na praça e estacionar quase na porta do Metrô.
Qual nada.
Seguiu em frente, fez uma super curva para a esquerda e foi para dentro do bairro.
Fiquei a postos para descer no próximo ponto e dei sinal de parada.
O ranzinza passou por mais um ponto e parou no outro.
GRRRRRR, mas sem problemas. Rs
Eu precisava mesmo fazer a digestão do arroz com feijão e batatas, mesmo que fosse andando embaixo de um sol de quarenta graus.
Conheci um novo caminho e o mais importante é que vi um moço bem magro, usando óculos, com uma calça jeans preta bem agarrada nas pernas e logo me lembrei que fez cinquenta anos que eu comprava calça Lee normal e pedia pra minha mãe ajustar bem colada na perna.
Agora imagine.
Um ser humano palito, com aquela calça ajustada nas coxas e nas batatas da perna.
Um estouro, se é que podíamos chamar aqueles músculos de batatas.
A visão que você que me lê deve ter é que eu ainda ia e vinha emoldurado com uma vasta cabeleira no estilo do guitarrista do Yes.
Naquela época eu pintava as minhas camisetas e escrevia o nome do meu futuro filho com um ENE no final, para imitar a língua inglesa:
Yes, mas a língua não era a minha.
Mais tarde, ao olhar para um retrovisor de automóvel na Rua da Penha, apareceu na minha cabeça que ARIAM com EME é Maria ao contrário.
Talvez tenha sido o retrovisor do carro estacionado que tenha me inspirado a colocar o nome da minha filha bailarina:
MAIRA.
O Professor Roberto chama isso de palíndromo.
Os amigos traziam o tênis All Star de cano longo dos EUA, mas a gente usava o Bamba mesmo.
Não pense que eu fui traumatizado pela magreza, pelo contrário, achava o máximo ser parecido com o Steve.
A diferença é que até hoje ele é muito magro e eu adquiri essa barriguinha composta por carboidratos.
Porém ele ficou bem mais feio com a idade, rsrsss.
Quando vi o moço com óculos atravessando a rua com estilo musicoso, percebi que nesses últimos dias estou mais musical, mas mesmo assim achei um jeito de aprender a fazer um Cartão giratório com oito imagens diferentes.
Já num outro dia apareceu pra mim um kirigami onde o sujeito faz um desenho num papel dobrado, recorta os desenhos e quando ele abre aparece uma aranha.
Mentira.
Logo que ele desenhou um meio círculo num dos lados e cortou, eu já sabia que era enganação.
Fake News artística.
Por desencargo de consciência, quando vi na web, desenhei e cortei da forma mencionada e quando abri: ZAZ
Era tudo menos uma aranha.
Composição Abstrata que me fez ficar atento a esse vídeo que mostrava como fazer o Cartão com oito imagens.
Achei uma forma mais simples para compartilhar com outras pessoas, afinal a moça do vídeo pulou várias partes importantes para que o resultado acontecesse.
Não podemos pular etapas quando vivemos nossas existências e muito menos quando a repartimos com outros tantos.
Devemos respeito, afeto e gentileza.
É tarefa nossa excluirmos de nós a ranzinzisse, o mau humor.
O mundo já é bem duro e cruel para que em nós viva um coração peludo.
Que em nós viva um coração como argila na olaria e que nós próprios o moldemos com coragem




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rima

A saga das palavras

Escolhas