Porque eu desenho olhos
Esqueci de trazer para Sorocaba as minhas calças de formatura.
Eu tenho duas, uma bordô e outra azul marinho.
Chamo-as de calças de formatura, mas podem ser também para outras ocasiões que requerem mais requinte, sofisticação, apesar de fazer centenas de anos que as tenho.
Sou mais pelo despojamento, pela simplicidade de uma calça jeans, uma camiseta e um par de tênis.
Por sinal adoro ver nas ruas vários senhores trajando esse arranjo de vestimentas, fruto dos anos setenta.
O fato é que esqueci as referidas duas calças em São Paulo.
Inclusive esqueci a minha jeans azul clara com poucos desenhos na parte superior, perto da cintura.
Nesse desenho estão alguns olhos estampados em vários sentidos, acompanhados por alguns grafismos que escolhi ao longo da minha vida de sessenta e cinco anos.
Enfim, sobrou apenas a calça que está aqui em Sorocaba e é mais uma calça jeans.
Essa é da Hering.
Ganhei do cunhado que ao experimentá-la, depois de mandar fazer a barra, notou que ficou muito curta.
Essa tem um corte mais clássico e é modelo Slim.
O toque clássico recebeu da minha mão direita, na perna esquerda, uma composição de grafismos e olhos.
Depois de algum tempo, desenhei a parte de trás da mesma perna e isso eu nunca antes tinha feito.
Hoje, ao perceber que precisava usá-la para uma ocasião especial, resolvi desenhar sobre a parte da frente da perna direita.
Enquanto desenhava pensava na frase que ficou na minha cabeça depois dos primeiros desenhos na outra perna:
Eu prefiro que desbote!
Isso significa que prefiro o resultado perdendo o contraste dos traços pretos com o azul do jeans.
O tempo foi curto até chegar a noite de hoje e tive que me encantar com o alto contraste mesmo.
Achei bonito.
Ainda enquanto desenhava eu olhava para o desenho da outra perna e percebi vários espaços com desbotamentos diferenciados e me lembrei que a primeira imagem que fiz foi um círculo recheado com apenas um olho central e os grafismo feitos com caneta azul.
Pensei num resultado que tivesse ainda menos contraste.
Esse primeiro pensamento aconteceu devido ao fato da calça, presenteada pelo cunhado, ter aquele estilo mais clássico.
Não durou muito o contraste pequeno, como já mencionei ali atrás.
Interessante eu usar o verbete atrás, afinal o mais apropriado seria ali em cima.
Na formatura o povo cantou junto o refrão.
Depois cantou a letra toda da canção que eu compus para os queridos.
Tudo isso ficou muito bonito, me emocionando num tanto, que até perdi a entrada do verso:
Aprendemos que a escola é a vida transformada num livro de satisfação.
O povo me ajudou e cantamos juntos.
A ajuda do povo é a ajuda de Deus, sendo que transformar é preciso.
É preciso ser um livro livre para que assim nos livre, sabendo que de algum modo tudo isso nos Livraria.
E livrará.
Só não nos livra de todo o trabalho que temos que empenhar para trilhar esse caminho que vai além dos nossos olhos.
Vai além do que fisicamente podemos enxergar observando atentamente.
Uma calça totalmente desenhada pela própria mão pode ser provocadora para quem vê.
É aqui que lembro que proVocação significa atender ao chamado.
Pro Vocare, atender a voz.
Que voz é essa que precisamos estar atentos para ouvir?
Será aquela da canção epitáfio do titã Sérgio Brito, quando ele escreve que o acaso vai nos proteger enquanto nós andarmos distraídos?
Ou ainda aquela que Chico Cesar nos resgata ao escrever que: Perdidos a gente vai perguntando, vai procurando e assim acha sem saber?
Eu percebo que os artistas têm as tais antenas que conectam o que há no céu com o que há na Terra.
E eu que tenho a certeza que todos nós temos essas antenas conectivas?
Porque eu tenho preferência por desenhar olhos eu não tenho a menor ideia, mas caminho porque o caminho se conhece andando.
Chico de novo.
Anda-se com os pés, porém há tantos outros artefatos que nos possibilitam caminhar, portanto procure ficar com os olhos bem abertos e quando fechá-los que eles possam te encontrar sonhando
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