Imagens
Acordei fora da rodoviária.
Choveu a noite inteira e desta vez tenho certeza que a água sobre o carro no estacionamento é a da chuva.
Gosto do sereno sobre a cor preta do automóvel.
Tenho mais uma certeza.
Há um pequeno vazamento numa das borrachas protetoras do porta malas porque depois da chuva sempre sobra um cheirinho característico da evaporação da água no tapete.
Eu sou do tipo que vai deixando pra depois reparar esses pequenos defeitos.
Tenho melhorado, mas não é apenas desculpa o fato de ter muitas aulas durante os dias.
Isso realmente não me deixa muito tempo para levar o carro para o conserto.
Sei que a primeira coisa que passou pela sua cabeça foi a relação entre os verbetes, conserto e concerto.
Outra relação que veio à tona foi a que existe entre acento e assento.
Acentuo que tento consertar essa angústia arranjando um assento para assistir ao concerto.
No curto espaço que há entre o travesseiro e a nossa cabeça é o início da letra de uma canção que compus juntando as peças e suas relações.
Porém o que esse travesseiro significa?
O que nos atravessa?
Outro dia respondi a um transeunte, como eu, que me perguntou sobre o seu destino:
Respondi a ele que a tal rua era uma travessa da grande avenida.
Há um curto espaço entre o travesseiro e a cabeça que sonha, porém esse espaço é realmente enorme e abrange a ocupação com os outros que são diferentes, a sabedoria de discernir entre o bom estado e a doença, realçando o bom humor num mundo onde impera o dinheiro e a ganância, duas características que sempre querem ser o espetáculo.
Busco ser travesseiro sem tantas travessuras.
Busco atravessar essa chuva de espantos e tristezas estando no espaço curto, quase imperceptível que une a orelha e o tecido.
Venho tecendo linhas sobre outros tecidos e papéis na esperança de viver intensamente na dialética com a suavidade.
Meu papel é dormir cedo e roncar como o motor do carro preto umedecido pelo sereno.
Hoje a previsão é que continue chovendo forte.
Não faz muito tempo andei sob a chuva forte empurrando a mala com rodinhas sobre a calçada.
O tecido da mala se mostrou impermeável como a propaganda dizia.
Tudo que estava dentro dela ficou bem seco e foi só colocar a mala exposta ao sol e no começo da noite já estava seca.
Não me lembro se naquela noite houve sereno, ou se continuou chovendo forte.
Só consigo me lembrar do balanço das palmeiras na avenida durante a minha caminhada molhada.
Ventos fortes como aquele que em mil novecentos e outa e dois derrubou tetos de postos de gasolina e todas as divisórias de um centro educacional aqui na cidade.
Outro dia meu irmão me trouxe à lembrança o herói Ultraman.
Precisa ser Ultra mesmo pra enfrentar mais do que pequenos vazamentos nos frisos de borracha no porta malas.
Que possamos ser travesseiros atravessando as nossas orelhas de bons ouvintes
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