Trocas

Hoje resolvi tirar a carteira e o celular dos bolsos.
Abri o armário e encontrei uma pochete moderna, igual aquelas que os meus alunos do Antonieta usam.
À tira colo.
E a bolsinha fica na horizontal, presa numa tira, com o zíper para cima.
Pois bem, ali dentro agora estão a carteira e o celular.
A luta agora é ficar abrindo e fechando o zíper.
Só essa frase já dá uma noção do vício que é meu e faz com que eu fique de olho e dedos no celular de minuto em minuto.
Nem bem comecei a usar a pochete e já desisti.
De tanto abrir e fechar a bolsinha eu vou acabar arregaçando a costura e perdendo tudo pela rua, calçadas, ou lojas de departamentos.
Adoro escrever: Loja de departamentos e pensar sobre os departamentos das lojas e suas bugigangas.
Desisti de usar a pochete descendo a escada rolante, tirando a mochila das costas e a desengatando do enrosco.
Lá se foram o celular pro bolso direito e a carteira pro bolso esquerdo da calça.
Aprendi no século passado que nunca se deve usar calça no singular, mas calças.
Com a pretensão de que essa lei esteja ultrapassada, uso calça, mesmo que seja com licença poética.
Ontem o moço de quarenta anos e que mora com os pais perdeu a carteira na rua.
Estava encostada no meio fio.
Como estava praticamente na frente de uma farmácia, intuí que ele poderia ser cliente.
A atendente foi super solícita e vendo no computador descobrimos que realmente ele é cliente da farmácia.
Encontramos o endereço e depois da Sandrinha aparecer no carro sem a mala que ela queria comprar, mas super animada, pedi a ela que levássemos a carteira até a residência do moço.
No final da tarde fiquei sabendo que ele tinha certeza que a carteira estivesse na loja de suco que ele frequenta e que o garçon teria guardado pra ele.
Imagina a tranquilidade do garoto.
Deixei meu número de celular para George, o porteiro e o moço só ficou sabendo que a carteira dele ficou sozinha no asfalto quando eu lhe contei.
De súbito ele ficou muito surpreso e agradecido.
Perguntou como ele podia retribuir, já que na visão dele não haveria outro alguém que fizesse o que fizemos.
Há sim, ainda há.
Ele me contou que foi almoçar ainda nessa semana com uma amiga que disse a ele:
Onde você vai com essa carteira cheia de cartões e documentos?
Como uma profecia ele se viu nessa situação.
Perdeu a carteira.
Não mediu esforços de agradecimento e eu apenas fiz que ele me garantisse que ia intensificar o uso de documentos digitais e aposentar a carteira fujona.
Na idade dele, ele não deve ter medo de usar cartões e documentos digitais num só aparelho.
O celular.
Na minha idade o que tenho é um pouco de medo, mas nem sei bem dizer porquê.
Hoje o povo sem medo, encosta relógios nas maquinetas, encosta celulares e outros dispositivos para pagar suas contas.
Acabei de pensar que o meu porquê não é nem medo, parece ser o meu gosto de ver coisas no papel, ler no papel, desenhar, pegar nos cartões e ver as suas estampas.
Claro que novamente faltava meia hora para o meu ônibus zarpar e eu comecei a escrever essas palavrinhas.
Já estou na marginal do Tietê e uma mocinha não para de falar Mano.
Ops, não para de falar, Mano.
Com vírgula, ou sem vírgula.
Escrevo e rio sozinho, afinal o meu vizinho de poltrona está se remexendo na dele e não está nada contente.
Mano, escrevo e rio novamente.
O conteúdo da conversa alheia são os doramas coreanos.
A opinião da moça é que ela fica muito brava com a atriz e acaba de dizer que alguns atores são escolhidos não pelo talento, mas pela beleza.
Ops.
Agora mudou para esses programas de Talentos que estão espalhados pelo mundo inteiro.
Eu fico animado com a conversa porque a pessoa se coloca como participante ativa do reality, usando põe exemplo a frase:
Eu me apaixonei por ele desde quando ele começou a se vestir como o outro, do outro Reality.
O tom da voz dela é o mesmo das dublagens excelentes dos doramas, Mano.
Aqui não estou sendo sarcástico, afinal as dublagens estão muito boas mesmo.
Deu uma vontade imensa de virar meu pescoço, empostar a minha voz de barítono e exclamar:
ZYz Rádio Seul FM
Às vezes penso que deveria ter seguido a carreira de roteirista de Reality Shows, mas considero desnecessária essa auto discussão porque o mundo é esse mesmo.
Doidinho.
Será que a minha carteira de clientes coincidiria com os meus seguidores no Insta?
Saibam que o algoritmo não se interessa nem um pouco por mim.
É fato.
Eu vivo postando coisas nada a ver e sem sentido, afinal a afirmação mais frequente dos meus alunos é:
Betu, eu acompanho os seus Stories e adoro.
O que eles significam mesmo?

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