Trato
Adorei quando fui fazer um negócio na padaria.
Eli é nossa amiga de muito tempo.
Comprei seis pães franceses dos mais branquinhos e quando a moça pesou na minha frente, apareceu o valor:
R$9,99.
Coloquei-me na fila do pagamento e a Eli estava no caixa, porém fui atendido pela moça da esquerda.
Quando saquei meu cartão - mais tentando fazer graça do que negociar - falei na direção da Eli:
Quando o valor é nove e noventa e nove, é grátis?
Não, é Dez!
Ahahahahahahaha rimos muito.
Amo esse grau de inteligência que é medido na rapidez da resposta e na excelência do bom humor.
Também amo explicar de onde vem essa questão da gratuidade do nove e noventa e nove.
Numa das quintas-feiras quando ia dar aulas em Campinas, aconteceu de eu ir almoçar no Primeiro Restaurante por quilo do Taquaral.
Lá havia uma promoção que era a seguinte:
Se você pesasse quinhentos gramas certinho, o seu almoço era grátis.
Em doze anos de almoço no Taquaral apenas uma vez não paguei o almoço.
Rio escrevendo.
Essas duas historietas mostram bem a deficiência que tenho em fazer bons negócios na questão financeira.
Rio novamente, afinal tenho alguma habilidade em negócios pessoais afetivos.
Deve ter algo a ver com uma outra historieta que acaba de acontecer.
Estamos almoçando num restaurante pequeno ouvindo música ao vivo.
Quando os dois: o violonista e a cantora concluíram a primeira canção eu comecei a bater palmas no lugar pequeno.
A dupla nos pareceu emocionar-se e a nós gerou estranheza, porque a dupla era muito boa.
Impressionante o que toca o moço do violão.
Eu nunca vi o Serginho tocar, mas todos dizem que ele tocava muito.
Quando a dupla começou a canção a minha memória trouxe o Serginho.
Levantei-me e fui falar com o Paulo e com a Renata.
Pedi a eles os seus contatos no Instagram e o Paulo não me surpreendeu ao dizer-me que ele é essencialmente analógico.
Mesmo assim fizeram para ele uma página no Instagram.
Antes que eu voltasse a sentar-me à mesa ele elogiou a minha camiseta do Led Zeppelin e perguntou se eu tocava.
Disse-lhe rapidamente só sei fazer o ré,o dó e o sol e ele humildemente tocou as três posições convencionais.
Minha companheira ficou a pensar nos talentos que tocam em bares, navios e todas as coisas que a vida dos artistas proporcionam, ou não.
Eu disse e penso que o mérito desse século é que muitas pessoas se expressam artisticamente e entre todos, muitos talentosíssimos não são populares pelos mais variados motivos.
Andy Warhol pensou que se ele pintasse uma lata de sopa ultra popular ninguém iria comprar a sua pintura e minutos depois a pintura já estava anexada ao mercado e à história da Arte.
O mesmo Warhol que preconizou que todos nós seríamos famosos por quinze minutos.
É vero.
Nosso almoço durou mais do que quinze minutos e saímos de lá tão felizes quanto os dois protagonistas do espetáculo.
E mais.
Ainda existe o espaço de trocas de conversas e imagens pela rede social, o que pode render muitas risadas e gestos sensíveis de felicidade entre nós, os que têm fama de Artistas.
Interessante eu usar o verbo render.
Eu me rendi ao talento da dupla e isso me rendeu dividendos emocionais de imensa grandeza.
Num momento bastante frágil de uma pessoa querida de noventa e sete anos, habilidosa com números e competente com a argila e arranjos florais, tudo isso é renda, é bordado, é crochê.
Tricotando a gente compreende que ponto a ponto a nossa vida significa, no signo da conversa, onde versamos em conjunto.
A senhora não é acostumada a me ver com camisa social e ontem ao me ver com esse trage, sorrindo disse a todos que estavam no quarto:
Olha como ele está elegante!
Cada um decodificará a seu modo.
Cada um unirá os pontos com aquilo que a sua própria memória selecionou por toda vida vivida.
E isso tudo tornar-se-á em cinzas, ou em Fênix se transfigurará
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