Barquinho
Acabo de ganhar um post-it verde.
Não é um post-it qualquer.
Foi cortado em três partes e a aluna autista-artista desenhou sobre um dos pedaços, com uma caneta bem fina.
No começo da aula eu a tinha lembrado do mini livro, que ela ainda está a terminar.
Ela, a autora.
Com essa lembrança na cabeça ela desenhou no papel verde um gatinho sobre a grama de onde cresceu uma flor gigante.
O mini livro trata de gatinhos.
Detalhe:
Ela usou um dos outros dois pedaços do papel pra fazer um barquinho usando a técnica do origami.
Pensa num micro barco perfeitamente executado.
O barquinho veio colado no mini desenho.
Ela me entregou e pediu que eu colasse na Nossa caixa de materiais, onde já existem mil papeis recortados e colados.
A caixa é feita para guardarmos materiais que serão usados durante o ano e é sempre recriada com colagem de papeis que serão sobrepostos, dia a dia, durante esse ano de dois mil e vinte e quatro.
Eu e os alunos vamos encontrando papeis pelo caminho, ou vamos fazendo pequenos desenhos e colamos na caixa mágica.
Encontro mágico foi o que tive hoje no cruzamento da rua da Coop com a Dom Aguirre.
Parei no sinal vermelho e um moço que era total sorriso me perguntou se eu queria comprar umas pastilhas Mentos.
Ele estava sentado na grama bem ao lado desses totens de propaganda política.
Sempre ando com a minha janela aberta e com o calorão que está fazendo ela estava aberta mesmo.
Devolvi o sorriso e já puxei um papo observando a camisa de times que ele estava usando.
Antes eu disse que eu nunca mais vi dinheiro ou moedas, porque só uso cartão de plástico.
Eu perguntei que time é esse?
Ele tirou um paninho que cobria o distintivo do Barcelona.
Eu disse que esse é o Barcelona do Messi, claro.
Me surpreendi quando ele puxou o paninho do outro lado a apareceu o distintivo do Curintia.
Ele já foi logo dizendo: Esse outro é do Curintia, mas eu SOU PALMEIRENSE!
Aí eu nâo me segurei:
Eu sabia que esse Sorrisão tinha um motivo mega especial.
Sabe de uma coisa?
Eu vou te trazer uma camisa linda do Palmeiras.
Até que horas Você fica aqui?
Ele me disse que ficaria até o meio dia.
Eu realmente tinha que ir visitar rapidamente a minha irmã e depois ia passar em casa pegar a camisa.
O sinal abriu e me despedi garantindo que voltaria.
Foi o que fiz, dei duas voltas nos Bombeiros, mas ele não estava mais ali.
Fui andando bem devagar, olhando para todos os cantos, mas hoje não o encontrei mais.
Hoje, porque na semana que vem vou encontrá-lo.
Já deixei a camisa no porta malas.
Ao abrir o porta malas vi a Caixa Mágica de materiais e o papelzinho verde colado, com gato, flor gigante, grama e barquinho.
Penso que o calor escaldante fez com que ele saísse dali mais cedo.
Calor é o que não falta.
Aquele calor que antes de qualquer coisa fez com que o moço se dirigisse a mim dizendo que só pelo fato de eu me dispor a falar com ele já o deixou muito feliz.
Fique com Deus, ele disse.
Que divina companhia, Deus.
Aquela força estranha da qual falou Caetano e que motiva crianças, jovens e adultos a soltarem gatos, flores e barcos da imaginação.
Aquela força que transcende as nossas deficiências que são muitas.
É comum a gente falar que tem um time de coração.
Hoje o meu coração é um barco que leva um gato e uma flor gigante para passear num mar de sorrisos lindos
Esse barquinho faz a diferença em nossas vidas,minha aluna,uma Princesa,quantos desenhos tenho,as vezes estamos quebrados por dentro e são esses barqueiros e sorrisos que alegram nossos dias,minha aluna citada acima,tem a sensibilidade de um autista que muitas das vezes são incompreendidos pela sociedade e que a cada dia me apaixono por fazer parte do processo de transformação,para que a vida diária dela seja amenizada com a imaginação e o sorriso
ResponderExcluirAbraços Beto Cury