Desenho

Na semana passada um aluno fantástico resolveu que ia fazer um retrato meu.
Pediu para que eu tirasse os óculos para fazer uma foto de referência.
Ele tirou a foto e me mostrou apresentando a tela do seu celular.
Olhei de relance a fotografia e enxerguei minha mãe.
Lembrei disso agora, no instante que vi minha mão pousada no batente da porta do trem do Metrô.
Vi a mão do meu pai.
Quando a família foi ao velório dele, minha prima desmaiou ao me ver.
Ela viu o pai dela em mim.
Tio Franco.
Minha neta quando me vê junto ao seu tio Paulo, meu irmão, nos chama de gêmeos.
Vocês são iguais, ela diz.
Aparentar-se com alguém.
Tornar-se parente, parecer-se, ter afinidade aparente.
Essa questão reflete sobre a aparência das pessoas.
E a aparência das coisas?
Na semana passada estava pensando que quem desenha alguma coisa buscando semelhança com a realidade, precisa de um olho focado.
Não sei exatamente como isso se dá, mas fiquei mais atento sobre essa questão.
Parece que os olhos se focam nos contornos.
Pense que os contornos só se apresentam na relação de luz e sombra.
Para todo claro existe um escuro e vice versa e o contorno aparece aí.
Além dessa relação o contorno é o que separa a figura do fundo.
Dessa maneira, quando alguém desenha com o intuito de representar o real das coisas, acaba por eleger linhas e formas que copiam o que os olhos ditam, a partir das relações descritas acima.
Muitas pessoas têm certeza que não têm esses olhos e não conseguem fazer esse desenho que é conhecido como: Desenho Bonito.
Só conseguirão se exercitarem bastante os olhos, porém isso parece desnecessário para muitas pessoas que preferem deixar essa tarefa restrita aos Artistas.
Com a Modernidade tivemos a graça de nos libertarmos dessa necessidade visual extrema.
A partir do Impressionismo e ainda mais no Modernismo, são os olhos dos cinco sentidos que se tornaram fundamentais para o desenvolvimento de uma Obra.
Como estou falando do Desenho nesse texto, vou dizer diferente:
Hoje, os olhos dos cinco sentidos são fundamentais para a realização de um Desenho.
Quando a fotografia feita pelo aluno me foi apresentada vi a minha mãe.
Vi com olhos não restritos, a vi no espírito da face dela, minha filha disse que foi no sorriso, alguém disse que foi nos olhos baixos, outro poderia dizer que foi na alma.
O que eu digo e escrevo é que com tudo isso, eu faria um Desenho muito diferente dessa Realidade lógica e métrica.
Contemporaneamente somos livres que nós mesmos nos prendamos pelos modismos.
Quando ganhei de presente de uma amiga, uma camiseta preta comprada na lojinha do Museu de Nova York com os dizeres:
Picasso, Portrait Exhibition, eu já não me dedicava apenas a Desenhos bonitos, embora já tivesse os meus olhos moldados.
Só agora me vi nos olhos da minha mãe e com a mão do meu pai me emocionei com a história


Comentários

  1. Belo e significativo texto, Beto. Parabéns. Real e carregado de afetividade. Eu também, naquele vídeo Saudades de uma louca de Guerra, do Décio Bittencourt, quando vi minhas mãos pelo vídeo, vi as mãos de meu pai e de minha mãe e assustei-me porque constatei que o tempo passou depressa e não percebi...

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