Caminhada

Fecho o portão pesado e coloco o capuz cobrindo a cabeça.
Meia volta e desço a pequena escada.
Estou a caminho, a pé.
Observo que o meu caminhar se guia pelos meus olhos.
Olhares que tateiam as pequenas coisas jogadas no chão.
Essas coisas que são jogadas e mesmo aquelas que já pertencem ao chão de alguma forma, natural, ou artificialmente.
Seres humanos, artífices que somos ao inventar coisas que podem ser acopladas ao chão e flutuar no espaço.
Atravesso a rua mirando o meio fio pintado de branco.
Essa linha horizontal segundo a minha perspectiva.
E sigo, calçado e calçada.
Calçada feita com mosaico de pedras brancas e pretas, formando ondas de Burle Marx.
Eu piso nas brancas.
Sigo uma linha que divide um piso de cimento e uma tábua usada na construção ao lado.
Prossigo.
Paro por causa do sinal de pedestres e avisto a calçada que inicia uma subida íngreme.
Depois de atravessar, ladeio o volume de tijolos que guarda uma caixa de metal e coisas elétricas.
Um papel de bala sete belo e uma folha seca que caiu da árvore do Instituto dão sequência à minha caminhada.
E vou subindo a ladeira.
Na sequência, um convite de festa todo colorido por quadricromia, já desbotado, um guardanapo com um emblema de cozinha árabe e mais adiante um elástico de cabelo vermelho.
Chego na avenida já me inclinando pra esquerda e piso numa embalagem de isopor que já fora pisada antes por um pé bem maior que o meu.
Avenida a dentro, chuto uma baqueta distraída que toca a tampa redonda de metal da Enel.
Toco a mão na baqueta e a coloco fora do caminho para ver se o dono a encontra numa outra ocasião mais ritmada.
Sinto o metal da tampa na sola.
Meia volta à direita e vejo a minha mão sem o anel segurando a borracha preta do corrimão.
Desço automaticamente uma escada que rola.
Desço um degrau e miro a folha no acrílico.
Outro, a placa verde indicando Brigadeiro.
Mais um degrau e a máquina de salgadinhos.
Depois da rolagem é a marca azul em relevo que se apresenta.
Mais um passo e estou com a vista no retângulo do cartão do idoso colado à marca e depois no retângulo verde do Passe.
Cancelas de alumínio e mais uma escada rolando.
Dou meia volta à esquerda e mais uma faixa em relevo, só que essa é amarela.
Três linhas paralelas.
A primeira do piso, a segunda é do vão e a terceira é a da barra de alumínio reforçada do trem.
Pela transparência do vidro vejo a Obra da Tommie.
Nesse momento são os meus pés que estão alinhados.
Paralelos.
Estou sentado.
Peço a você que agora se ponha a caminho.
O seu caminho.
O seu jeito de caminhar.
Fique atento, atenta, observando por onde pisa, dando tempo ao tempo.
Meu tempo pede corrimãos.
Mesmo que o seu ainda não peça, fique segura, eu lhe asseguro.
Afinal, aproveite pra viajar agora que a sua mala de viagem é maior que a de remédios, afinal, aquilo que não tem remédio, remediado pelo caminhar, está

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