Graça
Desço do Cometa com a minha mochila nas costas e só de escrever essa frase já me entusiasmo com a imagem.
Descer do Cometa.Para os que não conhecem, Cometa é a empresa de ônibus que nos traz de São Paulo para Sorocaba.
Desço e já procuro no celular o Uber na quantidade imensa de aplicativos.
Quase todo mundo sabe o que é Uber, mas o que muitos ainda não sabem é que o primeiro motorista que aceitou me levar para casa desistiu.
Mal sabia ele o que viria a seguir.
Ele deixou de fazer relações quase absurdas com as nossas palavras.
Que bom que foi um Alisson Roger que aceitou fazer parte de uma história brincante e carnavalesca.
Veio da marginal um carrinho quase sem pintura, mas de um colorido que já me anunciava o artista.
Entro e já vejo a nuca desenhada coberta pelo boné preto e vermelho.
Iniciamos a pintura na nossa tela de conversa.
Versamos sobre os três discos de vinil que trago no colo, as memórias que causam no menino, lembranças da agulha, depois das fitas cassete e agora já estamos na frente da Cooperativa.
Ele lembra do pai e eu lembro da mãe.
Ele acha o máximo o André ter compartilhado comigo o disco da Elis.
Discão que vou compartilhar com a aluna menina, na quarta.
Ela no quarto da avó ouvirá Casa no campo e vai conhecer Guarabira.
Seguimos no Carnaval das palavras e ele me diz que sonhava fazer filosofia e história quando soube que ia ser pai aos dezoito.
Hoje, depois de quatro anos, tem o Braian que desenha e pinta.
Braian tem quatro.
O moço tem vinte e nove, dirige e me diz que adoraria partilhar Cultura, distribuir o que sabe e o que ainda não sabemos.
Eu não sabia até então.
Não sabia mesmo.
Vou abrindo a porta do carro enquanto nos damos as mãos e nos brilhamos nos olhos.
Temos a certeza da coisa que flui bem.
Ele avança leve pela rua de mão dupla e eu entro no prédio passando pelas duas portas de segurança.
Eu não sabia até então que deixara cair o meu celular no banco de trás do Uber.
Só depois de vistoriar meu carro no estacionamento e voltar pra pegar a mochila e os vinís no beiral do jardinzinho, eu soube.
Ao invés de validar minha crença na providência divina, resolvi me expor ao nervo.
Enquanto respirava ares quentes eu tentei ligar do telefone fixo que tenho em casa.
Nada.
Sem sinal.
Corri para o apartamento da frente, nada.
No apartamento dos amigos do térreo, nada.
Todos viajando, menos o casal que tem dois filhos e são recém chegados.
Ela abriu a porta, soube o que aconteceu, me deu seu celular e ficou orando com as mãos postas para que o moço artista atendesse meu chamado.
Deixei tocar dez vezes e nada.
Liguei novamente e Alisson atendeu sorrindo.
Professor!
Ia pegar um passageiro, desisti, vim colocar combustível e comprar ovos.
Quando estou voltando pro carro vejo um celular vibrando e penso na filosofia histórica do afeto.
Sim, ele disse afeto.
Não demorou quase nada para ele estar na frente do prédio abrindo a janela e me representeando com aquele objeto do meu desejo.
Nos demos novamente aquele aperto de mão firme e seguro.
Enquanto o esperava eu colhi do armário alguns materiais de desenho.
São todos para o Braian.
Para mim sobrou agradecimento.
Do moço histórico, transbordou gentileza e ternura
Comentários
Postar um comentário