De borracha

 Ando com sandálias de borracha pelo piso do banheiro.

Rastejo com um balde, água, desinfetante e escova, limpando o cômodo como nunca havia sido tão cômodo.
Eu, um senhor de sessenta anos com minha mãe a ouvir orações e preces na televisão da sala, nunca tinha feito essa tarefa aparentemente difícil, que será repetida por vezes nesta quarentena.
O professor aprende mais do que ensina.
Esse tal Amor deve ser a ferramenta nova no balde que com certeza vai desinfetando o piso conhecido e desinfetando ainda mais o espírito, esse ilustre desconhecido.
Minha mãe leva consigo uma doença que devido à idade não pode ser tratada, porém, para ela tudo é questão de fé e a dela tem o tamanho da eternidade.
Pronuncia alto as respostas às orações dos sacerdotes que trafegam pelas imagens televisivas, entre um alerta sobre a covid-19 e as publicidades do canal evangelizador.
Eu e ela, ela e eu.
Há pouco eu lavava as louças e as panelas do almoço que também de forma original, aprendi a fazer dando Googles na minha memória afetiva. 
Do outro lado, meu amor companheiro é ela, que está em São Paulo, cuidando da mãe, a Senhora da magia dos números matriarcais.
Confinados neste pequeno apartamento em Sorocaba, eu, minha mãe e a saudade.
Essa, só é aplacada pelas falas e imagens virtuais que vamos compartilhando, como novas aventuras quietas e ensimesmadas, poéticas e rudimentares.
Não por acaso trago um recorte de jornal numa das quatro caixas de papelão que deixarei de herança para os meus filhos, também aprendizes e professores.
Passando a quarentena em revista, eu recebo amorosamente a proposta de escrever uma crônica e não tenho a menor ideia por onde começar. 

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