Cata ovo

Tenho dificuldade para usar chapéu.
Descobri depois de um tempo, porque os bonés na minha cabeça ficam horríveis.
Quando vou comprar um boné as pessoas logo falam que ele tem uma ajuste com velcro na parte de trás da cabeça.
Ótimo, tem mesmo.
Porém, quando ajusto, ele fica um volume enorme sobre o meu couro cabeludo.
Horrível, mas nesse calorão eu uso pra proteger a careca.
O que eu descobri é que tanto chapéus como bonés, são normalmente vendidos até o número 58.
Minha cabeça é sessenta.
Aí você consegue imaginar o tal volume excedente sobre a careca.
Há muito tempo tentei usar um cata ovo.
Fica engraçado, mas apesar de adorar pagar de engraçadinho, desta feita a coragem me faltou.
Estava parado no ponto de ônibus circular e da calçada eu vi a maquete do prédio em construção, o muro estampado com duas flores gigantes.
Desta vez o que me chamou à atenção foi uma escada de alumínio com dois lances.
Possivelmente ela leva os trabalhadores para o vestiário e para os banheiros.
Químicos.
O prédio está na fundação e devem ser muitos os operários que trabalham nessa obra.
Um dia aprendi que a palavra Ópera significa Obra, donde advém o verbete Operário.
Nesse domingo não há sinfonia dos operários martelando as ferragens, dobrando os arames, assentando os tijolos, movendo os blocos e colocando as placas de drywall, inclusive nessa semana que começa ainda é tempo de Alicerce.
Vários caminhões betoneiras ficarão estacionados misturando concreto.
De concreto mesmo só a minha observação da escada de dois lances, além do fato de ficar pensando na quantidade de funcionários usando o banheiro químico.
Com certeza a minha ideia está caminhando mais pelas atitudes concretas de cada pedreiro exercitando seu ofício, sendo orquestrado pelo empreiteiro.
A empreitada é essa que une operários que operam, funcionários que fazem funcionar,pedreiros que carregam pedras, engenheiras que calcularam o engenho, numa Ópera onde a Mão de Obra são várias mãos que trabalham pesado.
Já dentro do ônibus, um pouco adiante, vou observando os dois terrenos imensos, frutos da derrubada de várias casinhas geminadas.
Um terreno em cada esquina.
Lembrei da história verídica do menininho que estava sentado no banco de trás do carro com o pai dirigindo.
O pai para o carro no sinal vermelho e ao lado está sendo executada uma demolição.
O menininho diz eufórico para o pai:
Papai, estão construindo um terreno!
Juro que o menininho não era eu, afinal o menininho é genial na sua meninice.
Do busão vejo além dos terrenos. Por enquanto eles são usados como estacionamento, afinal o empreendedor não pode ficar sem ganhar um dinheiro antes de vender todos os apartamentos.
É assim que funciona.
Um estacionamento para dar lucro, o empresário tem que ser o dono do terreno.
Terreno que vem da terra, do térreo, do piso onde pisamos.
E do piso vejo os grandes prédios da Faria Lima.
Quanta mão de obra usada para que hoje outras tantas trabalhem e morem nos escritórios.
Escritórios que hoje vão além da escrita.
Lembrei da novela antiquíssima: Selva de pedra.
Assim é e continua sendo, com a gente acreditando que depois do calorão na grande cidade asfáltica, o temporal trará frescor.
É aí que a água entra em ebulição no contato com o asfalto que está em alta temperatura e o mormação entra em atividade calorífica quase sufocante.
Adoro essas ações físico-químicas que na época do colégio eu via apenas como números e fórmulas.
Que bom que a gente cresce e observa que o quadrado da hipotenusa é a área de um quadrado cujo lado é a medida da hipotenusa, mesmoooooo.
Portanto essa área deve ser igual a soma das áreas dos quadrados dos catetos.
Esse meu aprendizado veio da observação da Logo da empresa Pitágoras.
E assim estou sendo levado para Sorocaba pelo busão da Cometa.
Hoje ao comprar a minha passagem no auto atendimento descobri que não era a máquina que não estava dando sequência.
Eu estava tocando exatamente sobre a palavra Seguir, mas o que eu devia fazer era tocar meio centímetro abaixo e esperar alguns segundos.
Assim como meu pai adorava dar uns tapas no rádio de pilha para ele engatar na estação eu adoro essas brasileirices